26 julho 2009

#respost: um conto

é manhã de domingo. o ar ainda está úmido com cheiro de madrugada e tudo está um pouco gelado. a luz se faz notar discretamente pela mudança das nuances das cores ao redor que vão do preto azulado, passando por tons de azul claro até finalmente as cores que todos conhecem como as verdadeiras. o ar gelado inspira melancolia e as nuvens cinzas pesam sob o céu nos prendendo e tirando o brilho das coisas. tudo fica mais triste quando o que se vê está sem cor. as ruas por onde passa estão desertas e se não fosse pelo incessante canto dos pássaros pensaria que era o último ser vivo da terra. as pessoas sempre lhe perguntam se não tem medo de andar pelas ruas desertas. é claro que não! ele tem medo é das ruas cheias quando o mal é invisível, pois se mistura aos transeundes, enquanto que nas ruas vazias de corpos, mas cheias de almas, há um bem maior que os acompanha e os proteje. na madrugada tudo é paz.
os bairros do subúrbio da sua cidade mantêm um clima bucólico quase início de século XX e nesta época de natal algumas casas estão decoradas com aquelas pequenas lâmpadas típicas destes tempos. de onde está tem uma visão privilegiada, pois caminha pelo meio da estreita rua tendo as casas decoradas margeando-a e lá ao fundo, cobrindo o horizonte, um morro ocupado por uma favela, mas que parece decorado com as mesmas luzinhas natalitas que enfeitam as casas. o morro mais parece uma árvore de natal. mas o que parecem as tais luzinhas são na verdade as luzes dos casebres de um cômodo, com tijolos de um "vermelho morto" a mostra, tornando o morro em que pousam num enorme massa de cores neutras. uma pintura peculiar. cores de uma paleta de tons pastéis de tinta a óleo, insolúvel em água. em instantes as luzes serão apagadas dando lugar ao majestoso e incansável sol de todos os dias que está lá, mesmo num dia como esse.
ao chegar no ponto de ônibus nota o quanto é um lugar movimentado mesmo naquele horário ingrato. muitos do que estão ali vão para seus trabalhos, a labuta que não respeita o domingo de descanso (ou seria o sábado? há muito mais pessoas trabalhando no sábado do que no domingo. qual será afinal?). o padeiro, a doméstica, o jornaleiro, o vigia do clube, um motorista de ônibus, a puta, o bêbado, o maconheiro e ele, o rabequeiro.
o ônibus ia sair. entrou e escolheu o lugar daquele jeito que todos escolhem; uma razão sem razão, simplesmente olhou e escolheu. sem pensar, questionar, sequer notou que tinha feito uma escolha. a mais simples. a mais corriqueira. sentou-se na janela do lado direito e pôs seu instrumento ao seu lado, como se fosse seu companheiro de amores e decepções, de felicidades e fraudes. ficou olhando pela janela sentindo o vento que entrava por uma pequena abertura quando sentiu o corpo adormecer. recostou a cabeça e entregou-se a um sono tão profundo que era como se estivesse em sua própria cama.
ele merecia.

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